O Brasil trata o tráfico de drogas de forma paradoxal. Em determinado momento, a pena para esse tipo de crime é aumentada, e em outro diminuída. O consumo é facilitado em um momento, e dificultado depois. Essa postura indecisa colabora com o poder de facções criminosas, que tem no tráfico a sua principal fonte de renda.
Essa é a opinião do procurador de Justiça do Ministério Público de São Paulo Marcio Sergio Christino, autor do livro “Laços de sangue: A história secreta do PCC”. Em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo, o especialista criticou a política de drogas do país e também comentou o assassinato do empresário e delator Antonio Vinícius Lopes Gritzbach no aeroporto internacional de Guarulhos (SP).
“O Brasil tem um tratamento esquizofrênico em relação ao tráfico. Ora aumenta a pena, depois põe critério para diminuir. Ora facilita o consumo, ora não. Essas ações pontuais são executadas porque prejudicam os negócios. Mas o exercício da ação criminosa não é o assassinato. O que eles querem é traficar. Então, se quer atacar esse nicho do crime organizado é preciso atacar o tráfico, porque é a fonte de
renda, tudo gira em torno disso”, diz o procurador.
Gritzbach, antes de ser assassinado, firmou acordo de delação premiada com o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do MP-SP, e teria relatado crimes cometidos por policiais, conforme reportado pela TV Globo na última semana. Ele já habitava o noticiário policial há mais de um ano por conta de suposto envolvimento com o crime organizado.
Homem que delatou esquema de lavagem de dinheiro do PCC foi assassinado em aeroporto de Guarulhos. “Ele estava sendo cobrado. E qual foi sua reação? Foi uma coisa inédita. Vinícius é acusado de mandar matar o traficante do qual tinha pegado dinheiro. Ou seja, uma aposta. Ao mesmo tempo, ele se envolve com a polícia, e acusa justamente os policiais que o identificaram como mandantes desse homicídio”, afirmou, ao comparar a atitude do delator com um jogador de pôquer. Para o procurador, a vítima do aeroporto de Guarulhos “apostou alto” e “pegou a mão errada”, fazendo analogia ao jogo de cartas. Segundo Christino, o tráfico de drogas atualmente conta com uma estrutura empresarial, de modo que o traficante ligado ao PCC é um empregado, não um autônomo. Desse modo, ele é facilmente substituído. “O tráfico não é uma atividade individual, é empresarial e tem de ser entendido como tal. É preciso desenvolver uma nova forma de repressão para que se possa ter um resultado”, diz.
Máfia e delação
O procurador acredita que o assassinato do delator não irá fragilizar o instrumento da delação premiada. Para justificar sua posição ele cita o exemplo dos Estados Unidos, o país mais bem sucedido do mundo no enfrentamento a organizações criminosas que se vale do instrumento.
“Os EUA são o país mais bem sucedido no combate ao crime organizado no mundo, especialmente contra as máfias. O grande núcleo do avanço americano foi o mecanismo das delações premiadas. É usado no mundo inteiro e não é no Brasil que vai se mostrar incapaz. E há uma forma de abordar a delação que é sempre a seguinte: ouvir, você ouve sempre; acreditar, nem tanto. A delação é meio de prova. Não basta delatar. Tem de fazer a confirmação através de outros dados. Então, eu duvido que esse instituto da delação sofra arranhões.”
Por fim, ele descarta a ideia de que o PCC possa vir a ser uma ameaça ao Estado. “Se você for comparar o PCC com a máfia Cosa Nostra (na Itália), a diferença é muito grande, porque a Cosa Nostra surgiu junto com o Estado italiano. A máfia italiana já existia quando Deodoro da Fonseca estava proclamando a República (no Brasil). O bisavô do Marcola (do PCC) ainda nem tinha nascido, e a máfia já matava na Sicília. É diferente”.
“O Estado brasileiro já está constituído. O PCC não pode crescer para tomar esse Estado. O Brasil não tem Farc, não tem Pablo Escobar”, conclui.
Fonte: CONJUR