Decisão só vale para o caso específico. Magistrado foi responsável por determinar o bloqueio total (lockdown) na Região Metropolitana de São Luís.
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) decidiu nesta quarta-feira (29), por maioria, manter proibição ao juiz Douglas de Melo Martins de participar de transmissões ao vivo que tenham conotação político-partidária. Nesta quarta, foi analisada a manutenção de uma decisão provisória (liminar) do corregedor nacional de Justiça, Humberto Martins. A decisão foi tomada em maio após uma reclamação disciplinar contestar a postura do juiz.
O magistrado foi responsável por determinar o bloqueio total (lockdown) na Região Metropolitana de São Luís, no Maranhão. Após a determinação, Martins passou a participar de uma série de “lives” na internet para discutir e comentar o tema objeto da decisão judicial.
“Os referidos debates foram promovidos e contaram com a coparticipação de políticos maranhenses com mandatos em curso e/ou pessoas que publicamente pleiteiam se eleger ou se reeleger nas eleições de 2020”, diz trecho do processo analisado pelo conselho. O julgamento começou no dia 30 de junho. Após debate entre os conselheiros, o ministro Dias Toffoli, presidente do conselho e do Supremo Tribunal Federal (STF), pediu mais tempo para analisar o caso.
Em seu voto, o corregedor Humberto Martins defendeu que juízes são proibidos de participar de eventos virtuais vinculados à militância política ou à atividade político-partidária. Ele afirma que a prática viola o Código de Ética e a Lei da Magistratura.
“A intenção foi evitar que haja interpretação duvidosa por parte de magistrados”, afirmou o corregedor. Segundo Humberto Martins, a manutenção da proibição tem caráter “pedagógico” sobre a atuação de todos os magistrados. “A pandemia chegou, mas o CNJ continua sadio”, disse.
Toffoli afirmou em seu voto nesta quarta que “o CNJ tem o dever de zelar pelo prestígio da magistratura nacional e não pode fechar os olhos a aparições públicas de magistrado que transmitam à sociedade a impressão de se revestirem de caráter político partidário por via de consequência de comprometimento da imparcialidade judicial”.
“Não cabe ao Judiciário definir políticas públicas. Não é competência da magistratura. Isso é competência para as instituições e poderes eleitos democraticamente; Poder Executivo, nas esferas da federação e dos respectivos Poderes Legislativos”, completou.
Toffoli defendeu ainda que o Congresso estabeleça um período de inelegibilidade de oito anos a magistrados e membros do Ministério Público que queiram se candidatar.
“Esse caso é paradigmático. Porque a imprensa começa a incensar determinado magistrado e ele já se vê candidato a presidente da República”, afirmou Toffoli.
Toffoli justificou ainda a necessidade de manter a proibição ao juiz do Maranhão. “Sem essa liminar, o juiz estava indo até em programa de receita de bolo na televisão para falar que ele tinha a solução dos problemas do seu estado. Isso não é função da magistratura […] O ministro Humberto não colocou um zíper na boca do juiz”, concluiu.
Discussão
Na sessão anterior, o tema provocou debate entre os conselheiros. Então, Toffoli pediu mais tempo para analisar o caso, fazendo com que a decisão provisória continuasse valendo. “Eu peço vista, se não o juiz vai continuar tudo aquilo que estava fazendo”, disse Toffoli na ocasião.
O pedido de vista foi feito depois que dois conselheiros votaram contra a manutenção da liminar. Naquela sessão, a conselheira Ivana Farina entendeu não ser o caso de renovar a decisão provisória, pois o evento já aconteceu e o magistrado não voltaria a participar das lives. Em seguida, o conselheiro Fernando Keppen pediu a palavra para seguir o mesmo entendimento, afirmando ser preciso estabelecer uma “calibragem”.
Toffoli, então, interrompeu para afirmar que o CNJ tem a responsabilidade de impedir o “utilitarismo da Justiça”.
“Ao permitir isso, está abrindo a porteira para o Poder Judiciário perder a imparcialidade. O que nós fizemos foi fazer do Poder Judiciário que hoje é o poder mais bem visto pela sociedade. Se nós deixamos o poder judiciário sair passando na rede social dizendo, ao lado de políticos, vestindo camiseta, então é melhor não ter Poder Judiciário”, afirmou.
“Isso não é um caso pequeno, é um caso relevante. A pessoa que foi eleita, não tem coragem de tomar suas decisões e joga para o Judiciário, o Judiciário toma suas decisões e começa a falar pela sociedade”, completou.
O conselheiro Keppen ressalvou que, no caso concreto, o juiz não participou do evento e votou pelo arquivamento da reclamação. Nesse momento, Toffoli pediu vista.
Repercussão
A Frentas – Frente Associativa da Magistratura e do Ministério Público, divulgou nota criticando processos disciplinares contra juízes por manifestações na internet. A organização reúne cerca de 40 mil magistrados e membros do Ministério Público.
“Nas carreiras públicas, a premissa, pertinente e adequada aos valores democráticos constitucionalmente tutelados, é a da compatibilidade entre a liberdade de expressão e os deveres do cargo, que, em atenção ao princípio da reserva legal, necessariamente são fixados em lei e na Constituição. Não é razoável, portanto, que Corregedorias se convertam em meros órgãos censores, utilizando-se indiscriminadamente de instrumentos e procedimentos disciplinares, para, por exemplo, definir parâmetros de utilização de redes sociais”, diz a entidade.
“A sistemática abertura de procedimentos disciplinares de ofício, normalmente vinculados à repercussão de opiniões e críticas, possui nítido propósito intimidador e não se coaduna com a cautela necessária à preservação de direitos e garantias fundamentais”, completa.
Fonte: G1 e Ascom CNJ