Vários prelados responsáveis por ajudar a conduzir o Sínodo dos Bispos sobre a família disseram que o documento divulgado nesta segunda-feira, 13 de outubro, foi o resultado de um espírito recém-descoberto do Concílio Vaticano II nas discussões sinodais.
A reportagem é de Joshua J. McElwee, publicada no sítio National Catholic Reporter, 13-10-2014. A tradução é de Claudia Sbardelotto.
Comentando sobre o documento e o Sínodo, o cardeal Luis Tagle, das Filipinas, disse: “Esta manhã, na discussão livre, alguns dos padres sinodais e outros participantes disseram abertamente que sentiram muito o espírito do Concílio Vaticano II“.
“Eu acho que o que os participantes estavam dizendo é isso … O Vaticano II refletiu definitivamente sobre a Igreja e a sua missão no mundo contemporâneo”, disse Tagle, que está servindo como um dos três presidentes para o Sínodo.
Tagle disse que o Papa Paulo VI, que continuou o encontro mundial de bispos conhecido como o Concílio Vaticano II, de 1962 a 1965, iniciado pelo Papa João XXIII“, tinha uma visão de uma Igreja que não é egoísta, mas uma Igreja que sabe existir como Igreja missionária, ouvindo e dialogando com o mundo contemporâneo”.
“Eu acho que foi isso o que os padres sinodais estavam afirmando”, disse Tagle. “Que a visão da missão do Concílio Vaticano II de João XXIII e Paulo VI, de certa forma, estava acontecendo para nós, que não pudemos participar no Concílio Vaticano II, mas tivemos uma fatia dele – um gostinho dele”.
Tagle falou na segunda-feira à tarde, durante uma coletiva de imprensa do Vaticano sobre um documento de 12 páginas lançado naquela manhã. O documento, que resume as discussões realizadas até agora pelo Sínodo – evento que está sendo realizado de 5 a 19 de outubro -, conclama a Igreja a ouvir mais, a respeitar as pessoas nas suas diversas dificuldades e a aplicar mais amplamente a misericórdia.
Falando ao lado do cardeal filipino na coletiva de imprensa estavam o cardeal húngaro Péter Erdö, relator do Sínodo; o arcebispo italiano Bruno Forte, secretário especial do Sínodo; e o cardeal chileno Ricardo Ezzati Andrello, que está representando o seu país no Sínodo.
Forte ecoou a avaliação de Tagle do papel do Vaticano II nas discussões do Sínodo, dizendo que todo o sínodo “foi feito com o espírito do Concílio Vaticano II“.
O arcebispo citou a abertura da Constituição pastoral do Concílio sobre a Igreja no mundo moderno, Gaudium et Spes, dizendo que o Sínodo quis ouvir “as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens e mulheres deste mundo”.
O Papa Francisco convocou dois sínodos para 2014 e 2015 a fim de tratar as questões familiares. O Concílio Vaticano II tem sido um ponto quente de discussão nos círculos católicos ao longo dos últimos 40 anos, com alguns elogiando o seu trabalho de reforma de alguns aspectos dos ensinamentos da Igreja e outros dizendo que essas reformas podem ter ido longe demais ou ter sido mal interpretadas.
O documento de segunda-feira foi liberado depois de uma semana de reuniões dos prelados, que tiveram seus discursos proferidos sobre o assunto na Sala Paulo VI no Vaticano.
Cerca de 190 prelados estão no Sínodo e tem direito a voto nas discussões. Algumas outras 60 pessoas, principalmente não-prelados, foram selecionadas para outras funções e podem contribuir para as discussões, mas não podem votar.
Forte disse no briefing de segunda-feira que o papel dos não-prelados no Sínodo, muitos dos quais são os casais que deram seus testemunhos sobre diferentes aspectos da vida familiar da atualidade, havia sido “decisivo”.
“Esperamos que os bispos ouçam e promovam a participação dos leigos”, disse ele.
Tagle também abordou o papel dos leigos, dizendo que o Sínodo queria que eles tivessem um papel mais importante na Igreja.
“No trabalho pastoral diário, especialmente para as famílias, para os jovens e no campo da educação, tem sido afirmado aqui na sala do Sínodo que os leigos devem realmente ter seu devido lugar”, disse Tagle.
“Pois é parte do ensino, o espírito do Concílio Vaticano II, que embora a Igreja tenha uma missão recebida de Jesus Cristo, essa missão é formada, compartilhada e participada por cristãos que receberam diferentes dons do Espírito Santo e que encontram-se em diferentes estados de vida”, continuou o cardeal.
“E a vida conjugal é um domínio em que a graça batismal e os dons do Espírito e o estado de vida dos leigos realmente emprestam … à participação dos leigos”, disse Tagle.
“Tem sido afirmado por diversas vezes no Sínodo que, nas paróquias e nas dioceses, os leigos devem ser ouvidos com mais frequência”, disse ele. “Os pastores devem ouvir as realidades da vida conjugal que vem dos leigos”.
Tagle é um estudioso do Vaticano II. Ele estudou na Universidade Católica da América com o professor Joseph Komonchak e sua tese de doutorado explorou o desenvolvimento da colegialidade episcopal no Concílio. Ele também foi membro do conselho editorial do projeto História do Concílio Vaticano II de Giuseppe Alberigo, diretor de longa data do Instituto de Ciências Religiosas na Universidade de Bolonha, Itália.
Entre os temas mais citados na coletiva de imprensa de segunda-feira foi a postura do documento do Sínodo para com as pessoas homossexuais. O documento afirma: “Os homossexuais têm dons e qualidades para oferecer à comunidade cristã: somos capazes de acolher essas pessoas, garantindo-lhes um espaço fraterno em nossas comunidades?”.
Questionado se essa postura representa uma mudança na compreensão da orientação sexual nos mais altos níveis da Igreja, Forte, disse na segunda-feira: “O que eu quero expressar é que devemos respeitar a dignidade de cada pessoa”.
“O fato de ser homossexual não significa que essa dignidade não tem que ser reconhecida e promovida”, continuou ele.
“A idéia fundamental é a centralidade da pessoa, independentemente das diferentes orientações sexuais”, disse Forte. “E eu acho que é o ponto mais importante. E também a atitude da Igreja em acolher as pessoas que têm orientação homossexual é baseada na dignidade da pessoa”.
Perguntado sobre como a Igreja iria responder às uniões do mesmo sexo, Forte disse que esses uniões têm “direitos que devem ser protegidos”, e esta é uma “questão de civilização e respeito das pessoas”.
Tagle foi perguntado se o documento do Sínodo representa a opinião dos prelados mais conservadores.
Dizendo que ele tinha presidido as sessões gerais do Sínodo por duas vezes, o cardeal disse: “Digo-vos, a lista de pessoas que exprimiram seu desejo de falar e o número de pessoas chamadas a falar é muito maior do que a tela do computador pode lidar. Então, há um amplo espaço para que todos possam falar”.
“Eu teria muito cuidado em rotular as pessoas”, continuou Tagle. “Quem é conservador? Quem é progressista? Isso é perigoso. Eu sempre olho para as pessoas – elas podem ser diferentes, mas todas elas estão unidas por um amor comum pela Igreja, por uma fidelidade a Cristo e uma missão comum”.
Durante o resto desta semana, os membros sinodais vão se reunir em pequenos grupos, divididos por língua, para discutir e editar o documento de segunda-feira, tendo em vista a criação de um documento final do Sínodo para a apresentação ao Papa Francisco.
É esperado que o documento final seja divulgado ao público e seja usado como o projeto de trabalho para o sínodo de 2015
Fonte – Instituto Humanitas