As mais altas autoridades católicas, reunidas no Vaticano para o Sínodo, estão criando debates empolgados sobre como a Igreja pode responder às realidades da vida familiar moderna, mas ao mesmo tempo elas têm enfatizado repetidamente que não vão alterar as doutrinas consagradas, como o ensinamento sobre o divórcio e novo casamento.
Isso quer dizer que as esperanças de mudanças reais já estão destinadas a morrer já no início do encontro?
A reportagem é de David Gibson, publicada no sítio Religion News Service
Aqueles que estão pressionando por reformas dizem que não. Eles argumentam que a Igreja pode de fato fazer adaptações importantes, alterando a “aplicação pastoral” das doutrinas – ou como os ensinamentos funcionam na prática.
A prática pastoral que está gerando a maior atenção é a proibição dos católicos divorciados, que voltaram a casar fora da Igreja, de receber a comunhão.
“A recepção da comunhão não é uma posição doutrinária. É uma aplicação pastoral da doutrina da Igreja”, disse o cardeal Donald Wuerl de Washington, delegado no Sínodo de duas semanas e uma voz influente que defende uma nova abordagem.
“Nós temos que repetir a doutrina, mas é da prática pastoral que estamos falando. É por isso que nós estamos tendo um Sínodo”, disse ele em entrevista ao Catholic News Service. “Somente repetir a prática do passado”, sem tentar “encontrar uma nova direção para os dias de hoje” não é mais sustentável, sugeriu Wuerl.
O cardeal Walter Kasper, um teólogo alemão aposentado e confidente do Papa Francisco, também endossou essa abordagem.
“Ninguém nega a indissolubilidade do matrimônio. Nem eu, nem qualquer outro bispo que eu conheço nega isso”, disse Kasper à America, revista semanal dos jesuítas. “Mas a disciplina pode ser mudada”.
“A disciplina serve para aplicar uma doutrina nas situações concretas, que são contingentes e podem mudar”, acrescentou.
De fato, o Concílio Vaticano II acontecido na década de 1960 – um encontro de 4 anos da hierarquia mundial, muito maior e mais autoritário – introduziu uma série de mudanças, ou “desenvolvimentos”, na doutrina da Igreja e na prática pastoral.
Mas um grande contingente dos cerca de 200 homens da Igreja presentes no Sínodo atual tem rejeitado fortemente a separação da doutrina e da prática delineada por Wuerl, Kasper e outros. Eles dizem que é simplesmente uma distinção sem diferença, e um cavalo de tróia que poderia apresentar de fato mudanças na doutrina estabelecida.
“Não pode haver na Igreja uma disciplina que não está a serviço da doutrina”, disse o cardeal Raymond Burke, ex-arcebispo de Saint Louis e que agora dirige sistema judicial do Vaticano, a jornalistas na véspera do Sínodo.
Burke, um canonista e um dos líderes do grupo que se opõe às mudanças, disse que os reformadores estavam dizendo: “Oh, nós não estamos questionando a indissolubilidade do matrimônio de forma alguma. Nós apenas vamos facilitar para as pessoas de conseguir uma declaração de nulidade do matrimônio, para que possam receber os sacramentos”.
Mas isso, disse Burke, “é uma linha de argumento muito ilusória que eu tenho ouvido mais agora em todo este debate”.
Se essa linha prevalecer, segundo ele, os católicos vão ver aqueles que estão divorciados e novamente casados (sem anulação) recebendo a comunhão e vão assumir que o ensino sobre o casamento mudou ou vão concluir que a Igreja é hipócrita.
Aqui, a opinião de Burke não é insignificante – o seu tribunal é o órgão responsável por processar os pedidos de nulidade dos católicos de todo o mundo.
O argumento doutrina-versus-discípulo pode soar como um ponto misterioso da teologia que poderia ocupar os bispos durante anos, o que muitas vezes tem acontecido.
Mas, no contexto da reunião atual, o conceito surgiu como uma das principais formas dos bipos poderem falar sobre como fazer alterações em uma Igreja que – seja qual for o registro histórico – gosta de dizer que nunca muda.
Outras ideias para atingir o mesmo objetivo também estão atraindo algum apoio, e elas incluem moderar a linguagem, muitas vezes absolutista, da Igreja e as atitude para com aqueles em situações “irregulares” – tais como gays e casais “que vivem no pecado” – e agilizar o processo de anulação para invalidar um casamento anterior, que terminou em divórcio.
Outro conceito que tem gerado burburinho é a “lei da gradualidade“, a idéia de longa data no pensamento católico que reconhece que as pessoas movem-se gradualmente em direção à santidade e nem sempre entendem ou aceitam todos os ensinamentos da Igreja de uma só vez. Os defensores da mudança dizem que é importante acolher essas pessoas, porque os sacramentos são uma maneira de ajudá-las no caminho de santidade; eles dizem que negar os sacramentos tem o efeito oposto.
À medida que os bispos se dividem em pequenos grupos na próxima semana para continuar as discussões, as ideias podem se tornar mais focadas, e os debates mais aquecidos.
Em entrevista ao The Boston Globe, publicada na quinta-feira, Wuerl disse que os delegados tem “dado suas opiniões” e que a importância de fazer a doutrina “funcionar na vida concreta das pessoas” tornou-se um foco central, assim como o Papa Francisco queria.
Ainda assim, Wuerl salientou que esta reunião é a primeira etapa de um longo processo; haverá discussões posteriores e debates nos próximos meses, e outro sínodo acontecerá em outubro próximo com grupos maiores e mais diversificados de bispos, que podem ter a direito de voto final sobre qualquer alteração.
“Esse vai ser o desafio, e eu acho que isso é o que o Santo Padre está nos chamando a fazer”, disse Wuerl. “Ele está dizendo: Sabemos isso, acreditamos nisso, isso é o que está no coração do nosso ensinamento. Mas como podemos encontrar as pessoas onde elas estão? E trazê-las com aquilo que tem e podem suportar, e ajudá-las a se aproximar?”.
Fonte Instituto Humanitas