Abuso, desperdício, farsa e ilegalidade no IPTU

Carlos Nina*

Proprietários de imóveis do município de São Luís, capital do Estado do Maranhão, mais uma vez estão sendo surpreendidos com a majoração do valor do IPTU sobre seus imóveis.

            Não trato, aqui, sobre a razoabilidade ou não do valor cobrado, mas da forma como esse aumento está sendo implantado. O Prefeito e/ou seus auxiliares confundiram imposto (tributo) com imposto (imposição arbitrária).

            Na administração anterior o então Prefeito foi atacado de forma veemente na mídia e o aumento foi questionado formalmente por várias instituições, algumas das quais promoveram eventos e se promoveram até a revogação da medida. Fui um dos críticos. Da mesma forma, não pelos valores da majoração, mas porque o procedimento usado para impô-la violou normas vigentes e, assim, foi fulminado pelo vício de forma.

            Para tentar burlar a Constituição Federal o atual Prefeito decidiu insultar a inteligência dos contribuintes e mandou, junto com a cobrança, um aviso de Atualização Cadastral dos Imóveis. Isso tudo às vésperas do vencimento do tributo, com oferta de supostas vantagens para quem pagasse até dia 30 de maio de 2014.

            No aviso de Atualização do Cadastro, o Prefeito teve o desplante de afirmar que “a alíquota e a metodologia do cálculo do valor venal permanecem os mesmos. A mudança é nas características do seu imóvel (apontados nas fotos …”.

            Soube que há grupos de contribuintes mobilizando-se para questionar o aumento.  Os desavisados ou descrentes na Justiça já o pagaram. Se quiserem, podem, ainda, questionar essa cobrança e exigir devolução. Basta que procurem um advogado ou, se hipossuficientes,  a Defensoria Pública. Podem começar procurando saber se a Câmara Municipal, a Assembleia Legislativa, Ministério Público e a OAB já tomaram alguma medida, como o fizeram no caso do Prefeito anterior.

O abuso da medida está já no fato de que o Aviso de Atualização Cadastral dos Imóveis foi enviado junto com a cobrança do novo valor, sendo que o vencimento da cobrança era dia 30 de maio e o prazo da contestação da Atualização será até 30 de junho.  Ou seja, 30 dias depois do vencimento do tributo! Nem Franz Kafka pensou nisso! Obra literal de tupiniquim: samba de crioulo doido.

A atualização cadastral, portanto, é uma farsa. Farsa essa que se confirma com a imoralidade de sua justificativa: mudança das características dos imóveis, apontadas nas fotos… Aí está o desperdício. De tempo, papel e recursos públicos, pois, com certeza, foi gasto muito tempo e alguém foi pago para fazer aquelas fotos inúteis, pois não servem para absolutamente nada, a não ser como prova do próprio desperdício. Nem de lupa alguém conseguirá ver as supostas mudanças das características dos imóveis “apontadas nas fotos”.

Tais fatos já revelam a ilegalidade e inconstitucionalidade do aumento, cuja imposição a Prefeitura de São Luís tentou disfarçar, grosseiramente, com a farsa da atualização cadastral.

            O IPTU não é um imposto vinculado. Destina-se, como informa a Prefeitura no boleto de cobrança, “para investir nas mais diversas áreas, proporcionando o desenvolvimento da cidade”.

            A pergunta que os contribuintes fazem é a seguinte: o que está sendo feito com a receita do IPTU? Em que áreas está sendo investida? Infraestrutura? Saúde? Educação? Transporte? Em São Luís?

            Se a Prefeitura não mostra para a população quanto arrecada de IPTU e onde está aplicando essa arrecadação, onde está a moralidade desse aumento? Ao contrário, agrava-se a desconfiança de sua destinação na medida em que tal procedimento é feito precisamente às vésperas de uma eleição.

            A  Constituição Federal, em seu art. 150, veda expressamente, dentre outras coisas, a exigência de tributo sem lei anterior. Isso inclui o aumento de tributo, como o pretendido pela Prefeitura de São Luís. E nem se fala, aqui, dos requisitos mínimos de que trata o art. 32 do Código Tributário Nacional.

Se é fato que proprietários promovem melhorias em seus imóveis, também o é que a Prefeitura, por outro lado, tem, não raro, contribuído para desvalorizá-los, pela sua incapacidade e/ou incompetência para resolver os problemas urbanos, deixando proliferar o lixo, esgotos a céu aberto, alagamentos, buracos etc. Enfim, a cidade nunca viveu uma situação tão crítica de um prolongado processo de deterioração.

A sensação que essa realidade passa aos habitantes é a de que a cidade não tem comando, não tem governo, não tem administração, nem qualquer coisa que ao menos pareça um plano, um projeto ou alguma política que vise beneficiar a população.

Majorar o IPTU dos imóveis de São Luís nas atuais circunstâncias é, portanto, imoral. Antes de tal medida a Prefeitura deveria, no mínimo, melhorar as condições das vias públicas, ruas, avenidas, praças e outros logradouros públicos, oferecer serviços de educação, saúde e transporte decentes.

Além de ferir princípios já mencionados, esse aumento contraria também os da proporcionalidade e razoabilidade e afeta o precário equilíbrio financeiro de muitas famílias, surpreendidas com esse ônus injustificável.

Ao empurrar o aumento do IPTU goela abaixo do contribuinte, ao mesmo tempo em que mantem a cidade suja, feia e carente de serviços básicos, o Prefeito está indo na contramão de suas responsabilidades, de suas promessas de campanha e dos anseios da população.  Se ele acredita que pode ver alguma coisa nas fotos de sua Atualização Cadastral, que use os mesmos serviços nas vias públicas, escolas e hospitais, para se dar conta da extensão e da diversidade de sua omissão.

* Advogado. Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros.

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