A advocacia perdeu, num só dia (24/08/2020), dois advogados exemplares. Kleber Moreira e Sálvio Dino.
Kleber Moreira, profissional bem sucedido, manteve sempre uma conduta ética irrepreensível, comportamento reservado, lhaneza no trato com todos que com ele lidavam. Um gentleman, termo incorporado ao vocabulário português e que, enfim, melhor e plenamente define a personalidade e o comportamento desse profissional.
Tive a oportunidade de, a convite do também advogado Pedro Leonel Pinto de Carvalho, fundar o Instituto dos Advogados do Maranhão, do qual Kleber Moreira foi – também fundador – seu primeiro presidente.
Nessa condição, no meu primeiro mandato como presidente da OAB-MA (1985/1987), Kleber Moreira o integrou representando o IAMA, que, pela Lei 4.215/1963 (Estatuto da OAB), indicava um quarto dos membros do Conselho Seccional. Para o mandato de 1987/1989, como inequívoca demonstração de apoio à administração realizada, houve consenso pela reeleição da diretoria e do Conselho e nenhuma chapa apresentou-se para disputa. O IAMA não fez a indicação legal e a chapa inscrita, então, manteve os nomes que antes representavam o Instituto, dentre os quais o de Kleber Moreira.
Conselheiro sempre atento, Kleber Moreira prestou inestimável contribuição à Seccional e deixa um exemplo de ética, de decência e mesmo de humildade, pela discrição com que sempre pautou sua conduta, de absoluto respeito para com seus colegas. Se foi intolerante, o foi exatamente na defesa da ética da profissão, característica rarefeita nos tempos atuais, graças à mudança de valores, de prioridades e diretrizes dos próprios cursos de Direito.
Sálvio Dino foi um criminalista exemplar, de oratória vibrante, mantida até o final de sua vida, como demonstrou em recente discurso na Academia Maranhense de Letras. Tive o privilégio de sua amizade pessoal e sou testemunha da retidão de sua conduta profissional. Sálvio também se caracterizava pela atenção com que a todos tratava, sem distinguir humildes de poderosos. Conquistou inúmeros amigos e, com sua lealdade, o respeito dos que o conheceram.
Sempre um romântico, Sálvio era apaixonado pela advocacia. Tão forte era esse vínculo que que se debruçou sobre a história da Faculdade de Direito da Rua do Sol, onde se formou – e à qual chamava de “Salamanca” -, dedicando-lhe um livro, lançado em 1996 e reeditado e relançado em 2014. Na primeira edição, registrou, ao dedicar-me o livro: “O reencontro é uma forma de renascer. Espero que o companheiro renasça se reencontrando em nossa velha Salamanca. O amigo de sempre”. Na de 2014, suscinto: “Ao irmão Carlos Nina”. Depois de seu primeiro livro – Nas barrancas do Tocantins -, reunião de contos (1981), publicou outros, de poesia, crônicas, biografias e história, até o último (2014) – Do Grajaú ao cume da intelectualidade – sobre Antenor Mourão Bogéa, e em cuja apresentação o professor Alberto Tavares Vieira da Silva, referência no Direito Penal e uma das maiores expressões da cultura jurídica, diz do organizador da obra: “Merece ditirambos a auspiciosa iniciativa de Sálvio Dino, advogado e beletrista conterrâneo.” E do biografado: “advogado fiel ao juramento profissional, homem humilde, sem a jactância dos parvos.”
Sálvio, por seus méritos intelectuais, conquistou a Cadeira 32 da Academia Maranhense de Letras (16/09/1999). Preocupado com sua instituição de classe, foi o responsável pela criação da Subseção de Imperatriz, a primeira da Seccional maranhense da OAB.
Apoiou-nos na conquista de um amplo espaço que o Governador João Castelo havia projetado para a OAB no Forum Sarney Costa e que corria o risco de ser perdido. Conseguimos preservá-lo graças ao então presidente do Tribunal de Justiça, o igualmente saudoso e querido amigo Carlos César de Berredo Martins.
Foi num ambiente de Vara Criminal que o vi pela última vez. Pena que ele não estava como advogado, mas testemunha numa ação penal iniciada em Imperatriz e que foi encaminhada para a 1ª Vara Criminal de São Luís. Na audiência, presidida pelo Dr. Ronaldo Maciel, no final do segundo semestre de 2019, com uso de vídeo conferência, estávamos no Fórum de São Luís. Alguns réus e testemunhas em Imperatriz. Sálvio em João Lisboa. Era Sálvio no uso da tecnologia que se anunciava e que a pandemia da COVID-19, que o levou, está incrementando.
Que as perdas de Kleber e Sálvio sirvam para refletir-se sobre o legado de ética e respeito que ambos deixam e são indispensáveis para o resgate do respeito e da credibilidade da advocacia e da sua instituição de classe.
*Advogado e jornalista.