Tráfico humano: um problema atual e muitas vezes invisível que move US$ 30 bilhões por ano

Por Victor Del Vecchio – Advogado formado pela USP, é também autor e pesquisador. Escreve sobre Direitos Humanos, Migrações, Refúgio e Política Internacional.

Dia 30 de julho é marcado como Dia Mundial de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, atividade que movimenta em torno de 30 bilhões de dólares ao ano — ficando atrás somente do tráfico de drogas e de armas, e que, principalmente, afeta a vida de milhões de mulheres, homens e crianças que são explorados para diversos fins, como trabalhos forçados, servidão sexual (o que inclui casamentos arranjados sem consentimento), mendicância forçada e até mesmo remoção de órgãos.

As Nações Unidas definem o tráfico de pessoas como “recrutamento, transporte, transferência, abrigo ou recebimento de pessoas, por meio de ameaça ou uso da força ou outras formas de coerção, de rapto, de fraude, de engano, do abuso de poder ou de uma posição de vulnerabilidade ou de dar ou receber pagamentos ou benefícios para obter o consentimento para uma pessoa ter controle sobre outra pessoa, para o propósito de exploração”. Assim, entendemos que o tráfico humano pode se dar não somente na sua forma claramente ilícita e desvantajosa, mas também por meio de sedutoras e fraudulentas ofertas de trabalho, apresentadas por meio de pessoas e grupos que fornecem contratos e estruturas aparentemente sérias e profissionais.

Segundo os dados mais recentes da UNODC – Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, o número de pessoas traficadas detectado vem aumentando, totalizando 25 mil casos somente em 2016. Esses dados, porém, não podem ser tomados como absolutos, uma vez que para a pesquisa foram considerados apenas 97 países que representam 47% da população mundial. Ainda, devemos considerar que há uma cifra gigantesca que não entra na conta devido à subnotificação, que ocorre tanto por organizações criminosas que atuam no ramo conseguirem manter suas atividades em segredo, quanto por muitas denúncias não ocorrerem em razão das pessoas traficadas sentirem medo, falta de confiança ou até mesmo vergonha, sendo essa última mais comum em casos relacionados à exploração sexual, que é o fim mais frequente.

Segundo os dados, do total de pessoas traficadas no mundo, 72% são do sexo feminino, sendo 49% mulheres e 23% meninas. Os homens representam 28%, com 21% de homens e 7% meninos.

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Muito embora a exploração sexual lidere as estatísticas com 59% dos casos, ocorrendo mesmo entre pessoas do sexo masculino – 10% dos homens e 27% dos meninos são traficados para fins de exploração sexual; os trabalhos forçados também representam parcela significativa e que vem aumentando, inclusive entre o sexo feminino, que já soma 35% das vítimas para esse fim.

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59% do tráfico para exploração sexual (marrom); 34% para trabalhos forçados (rosa escuro); 7% para outros propósitos (rosa claro) (Reprodução)

Zonas de conflito, onde a ausência do Estado e situações de vulnerabilidade em geral são maiores, são regiões mais propícias para o tráfico humano ocorrer. Um dos fatores que contribui, sobretudo em campos de refugiados, é a falta de registro nos nascimentos, tornando comum que crianças não possuam documentos – e às vezes nem nacionalidade, sendo apátridas. A subtração de crianças para integrarem brigadas armadas, as chamadas “crianças-soldado”, é prática não rara sobretudo nos conflitos da República Democrática do Congo e República Centro Africana. A abdução de mulheres para escravidão sexual é também usada como arma de guerra, principalmente para desmoralizar a elas e aos grupos dos quais fazem parte, em favor das tropas as quais vão explorá-las.

O Brasil se insere no cenário do tráfico humano de três formas: com os fluxos internos, isto é, brasileiros sendo traficados dentro de nossas fronteiras. Com brasileiros, em especial mulheres brasileiras, sendo traficadas para o exterior; e com nacionais de outros países que têm o Brasil como destino final ou de trânsito, isto é, país intermediário até atingir o destino final.

Segundo a advogada e coordenadora do ProMigra – Projeto de Promoção dos Direitos de Migrantes da Universidade de São Paulo (USP), Juliana Nakano: “o tráfico de pessoas é uma grande violação aos direitos humanos. Para se combater essa realidade, deve-se conjugar três vertentes: repressão, assistência e prevenção. No Brasil, existem diversos grupos e órgãos que atuam no combate ao tráfico humano, como por exemplo a Defensoria Pública da União e o Ministério Público do Trabalho”. Para Nakano, as “denúncias são muito importantes e possibilitam o resgate das vítimas, as quais precisam ser devidamente acolhidas. Para denunciar, basta discar 100 ou ligar para o número 180”.

Além das denúncias, é importante trabalhar na prevenção, por isso, é preciso estar alerta e alertar pessoas próximas sobre propostas de trabalho “atrativas demais”. É fundamental pesquisar sobre o empregador e até mesmo sobre a pessoa que intermedia a proposta. Ainda, é possível fazer sua parte promovendo o consumo consciente: suspeite de produtos com valores muito abaixo dos praticados no mercado, principalmente se tiver comprando em comércios informais, é muito provável que eles tenham alguma relação com tráfico de pessoas e/ou trabalhos degradantes em algum ponto de sua cadeia de produção.

 

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