STJ concede habeas corpus coletivo e garante regime aberto para pequenos traficantes

Aos condenados que cumprem pena, e aos que vierem a ser sancionados pela prática do crime de tráfico na modalidade privilegiada, não deve ser imposto o regime inicial fechado para cumprimento de pena, devendo haver pronta correção aos já assim sentenciados.

Esse é o entendimento da 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que concedeu Habeas Corpus coletivo para proibir que juízes e desembargadores da Justiça de São Paulo apliquem regime fechado a presos enquadrados no parágrafo 4º do artigo 33 da Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas). Aos que já cumprem pena nessa situação, o Judiciário paulista deve fazer a devida correção.

O caso foi levado à corte pela Defensoria Pública de São Paulo, que ampliou o pedido para beneficiar ao menos 1.100 pessoas que foram condenadas pelo tráfico privilegiado — ou seja, primário, de bons antecedentes, não dedicado a atividades criminosas nem integrante de organização criminosa —, mas que cumprem a pena mínima de um ano e oito meses trancafiados. A Defensoria, contudo, estima que o número seja muito maior, se se considerar todo o estado.

Para esses casos, a ordem é fixar o regime aberto e determinar aos juízos da vara de execução competentes que avaliem a substituição da sanção privativa de liberdade por restritiva de direitos, desde que isso não se torne excesso de execução.

Em relação aos condenados por tráfico privilegiado a penas menores do que quatro anos, a 6ª Turma determina que os juízos da execução penal reavaliem com máxima urgência a situação de cada um de modo a verificar a possibilidade de progressão ao regime aberto em face de eventual detração penal decorrente do período em que estiveram presos cautelarmente.

A concessão foi para que se determine ao Judiciário paulista o cumprimento da ordem de Habeas Corpus inclusive para providenciar a imediata expedição do alvará de soltura aos presos que, beneficiados por essas medidas, não estejam encarcerados por outros motivos.

Salvo-conduto
O julgamento foi permeado por recorrentes críticas à postura punitivista do Judiciário paulista, a despeito de jurisprudência e súmulas do STJ e do próprio Supremo Tribunal Federal. Por isso, o relator, ministro Rogerio Schietti, deixou claro que a decisão estabelece um salvo-conduto para que os enquadrados no parágrafo 4º do artigo 33 não iniciem o cumprimento de pena em regime fechado.

A ministra Laurita Vaz não divergiu, mas afirmou que é temeroso impor uma ordem dessa amplitude com base em ilegalidades ainda inexistentes. Ainda levantou a possibilidade de a matéria ser decidida em julgamento da 3ª Seção, que une os ministros da 6ª Turma com os da 5ª Turma, colegiados que julgam matéria criminal na corte.

O ministro Antonio Saldanha Palheiro destacou que a renitência de julgadores para com a jurisprudência é tão grande que, para situações extremas, é possível adotar soluções extremas. “Nossa última manifestação em relação à corte paulista recebeu como resposta um artigo dizendo que ainda há juízes em São Paulo”, relembrou. O artigo, do desembargador Guilherme Strenger, foi publicado na ConJur.

Para o ministro Saldanha Palheiro, essa renitência observada é “inexplicável, ideológica, retrógrada e de consequências desastrosas”. Já o ministro Sebastião Reis Júnior a classificou como injustificável.

“Fico até pensando no orgulho, na massagem do ego em se insistir em teses já há muito superadas, em prejuízo do Estado, que passa a ter um volume alucinante de processos, com custo que não pode assumir a essa altura. E para o Judiciário”, disse.

Rigor bandeirante
O rigor do Judiciário paulista é observado pelo Anuário da Justiça de São Paulo há muitas edições. A última delas informa, por exemplo, que para 10 das 16 câmaras criminais, o tráfico privilegiado é considerado hediondo, embora esse posicionamento já tenha sido descartado pelo Supremo Tribunal Federal e seja expressamente negado pela Lei de Execução Penal.

O Código Penal determina que, fixada a sanção em patamar inferior a quatro anos, o regime inicial de pena há de ser o aberto quando as circunstâncias forem todas favoráveis ao agente, permitindo substituir privativa de liberdade por restritivas de direitos. Segundo o relator, não há razão para mudar essa aplicação sem a devida fundamentação.

“Se a lei é benevolente com algum tipo de crime, compete ao Congresso Nacional, legitimado pelo voto popular, modificá-la, sempre sujeita ao controle de constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal. Não cabe ao Judiciário o uso de discursos metajurídicos de matizes ideológica ou moral para incrementar o rigor punitivo e para contornar com argumentos aparentemente jurídicos os limites impostos pela lei penal e pela jurisprudência consolidada”, disse Schietti.

O ministro ainda destacou que o proceder de agentes do Estado a quem se confia o exercício de dizer o direito na jurisdição criminal reclama dose maior de serenidade e ausência de preconceitos. E apontou que essa postura punitivista reproduz uma política estatal que se qualifica, sem exagero, como desumana, desigual, seletiva e preconceituosa.

“Não condiz com a racionalidade punitiva ínsita a um estado democrático de direito que a todo e qualquer autor de tráfico se imponha cumprimento de pena em estabelecimento penal em regime fechado e sem direito a qualquer alternativa punitiva, mesmo se todas as circunstancias judiciais e legais sejam reconhecidas a seu favor — quantidade de droga, primariedade, bons antecedentes e não envolvimento com crime”, afirmou o relator.

Fonte: CONJUR

 

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