Montadora Ford deixará o Brasil não apenas pela covid-19, mas pelo foco no mercado

O encerramento total e definitivo das atividades industriais da Ford no Brasil não se pode afirmar que foi de todo uma surpresa. As fábricas de Camaçari (BA) e Taubaté (SP) serão fechadas de imediato. A pequena instalação da Troller, em Horizonte (CE), permanecerá apenas até o quarto trimestre de 2021. Neste caso a Ford não explicitou a razão, mas possivelmente por se tratar de uma operação com produção quase simbólica de um único utilitário esportivo (SUV).

Há explicações para esta decisão da primeira empresa automobilística instalada no Brasil, em 1919. A mais importante é a mudança de foco da companhia tanto no mercado americano quanto no mundial. Em 2018 anunciou que continuaria a produzir apenas picapes e SUVs, mantendo o Mustang como exceção, além dos elétricos.

A renúncia à produção de automóveis (hatches e sedãs) só terá a Europa como exceção. Mesmo no caso do velho continente pode haver uma parada definitiva mais adiante. Arquitetura do Fiesta de geração anterior, não mais produzida, é a base do Ka e do EcoSport que agora saem de produção. A nova geração do compacto europeu é cara e o seu futuro, incerto.

A situação econômica do Brasil, agravada pelas consequências da pandemia da Covid-19, foi a outra razão apontada explicitamente. Foram pelo menos cinco anos de altos prejuízos, acompanhando a trajetória da crise política e a recente superdesvalorização do real frente às principais divisas.

Um aspecto pode parecer paradoxal, mas não é. A atividade fabril na Argentina continuará, apesar de problemas econômicos e políticos até mais graves que os brasileiros por incluir mais uma moratória de sua dívida externa. O país vizinho produz a Ranger, dentro do escopo mundial da companhia. E a legislação argentina oferece incentivos fiscais para picapes, tanto que a Hilux é o produto mais vendido no mercado local. Apesar de a Toyota como marca estar atrás da VW, a líder em vendas totais.

A Ford confirmou que o plano para produção da Ranger inteiramente nova continua. A próxima geração estreia em 2023. Até a operação de montagem, a partir de conjuntos CKD, do furgão Transit está confirmada no Uruguai já este ano. Ambos os modelos serão exportados para o Brasil e isentos de imposto de importação.

O México é outro país que exporta para o Brasil sem pagar imposto. De lá chegarão o SUV Bronco Sport e também a picape intermediária Maverick. Dos EUA virão Escape (também na versão híbrida) e o SUV elétrico Mustang Mach-E. Todos esses produtos formam um portfólio bem mais lucrativo e que pode atender a demanda no Brasil.

A Ford sustentou desde sua separação da VW na Autolatina, em 1995, a quarta posição entre as marcas mais vendidas. Mas Hyundai e Renault acabaram superando-a. O mote da companhia americana continuará focado na rentabilidade. Participação de mercado será a que for possível.

Por fim, não dá para esquecer do alto custo de produzir no Brasil e da insanidade tributária existentes há décadas. Quem sabe depois do fechamento de quatro fábricas da Ford e uma da Mercedes-Benz, em menos de dois anos, alguma mudança parta de Brasília.

Fernando Calmon

Colunista do UOL

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