Abusos sexuais: ”Reformas na Igreja estão surtindo efeito”

Ao longo dos últimos dez anos, o Vaticano reduziu ao estado laical 848 sacerdotes réus de abuso sexual. Segundo o padre jesuíta Hans Zollner, membro da Pontifícia Comissão para a Proteção dos Menores, esses números são depositários de uma dura realidade, mas também de esperança e de uma férrea vontade de remover a podridão que, nos últimos anos, manchou a Igreja.

A reportagem é de Alessandro Notarnicola,

“Esses números demonstram que as reformas do sistema judiciário dentro da Igreja estão surtindo os seus efeitos”, afirmou o padre Zollner ao site RomeReports.

“É preciso acrescentar que agora podemos ver o resultado positivo da vontade do Papa Bento XVI. Podemos ver que a justiça existe”, acrescentou o sacerdote alemão, enfatizando o aspecto penal e os procedimentos tomados contra os culpados.

Mas, como já foi dito muitas vezes, a Pontifícia Comissão tem um quantitativo relativamente consistente de trabalho para fazer: em primeiro lugar, é preciso tentar medir o porte dos abusos cometidos por eclesiásticos de todo o mundo.

“Abusos sexuais foram registrados em toda a parte: em todos os países, talvez não em todas as dioceses e congregações religiosas, mas temos os dados provenientes de todos os países do mundo”, continua o padre Zollner, motivando o projeto de contar com especialistas da Ásia e África dentro da comissão.

Além disso, o jesuíta destaca a essencialidade de definir, de um ponto de vista canônico, a responsabilidade de um bispo e de um provincial considerados negligentes na gestão de um sacerdote acusado de abusos.

A Igreja está implementando medidas drásticas em escala global (onde por essa expressão deve-se entender o conjunto de todos os lugares em que foram denunciados abusos cometidos por expoentes do clero), especialmente desde o dia 25 de março de 2005, quando, por ocasião da Via Sacra no Coliseu, o mundo foi literalmente abalado pelo poder das meditações escritas pelo cardeal Joseph Ratzinger.

Particularmente duro, de fato, foi considerado o comentário composto para a Nona Estação, na qual o prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé falou de “sujeira na Igreja” e de uma Igreja que “nos parece um barco prestes a afundar, um barco que mete água por todos os lados”.

Muitos comentaristas consideram que, com essas palavras, o então cardeal prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé se referia quase abertamente ao escândalo dos padres pedófilos que explodiu não muito tempo antes nos EUA e na Irlanda.

Dentre outras coisas, é bom lembrar o episódio inédito do maio posterior, quando Bento XVI, como um pai intransigente que trabalha pelo bem de toda a família, revogou todas as faculdades sacerdotais de Gino Burresi, fundador dos Servos do Coração Imaculado de Maria, por abusos sexuais contra alguns jovens seguidores.

As acusações de “encobrimentos” contra o Vaticano, amplificadas notavelmente pelos órgãos de imprensa depois da eleição de Joseph Ratzinger, que começou a luta contra o “pecado e o crime da pedofilia e dos abusos”, começaram dessa forma a diminuir.

Essa linha de “tolerância zero”, iniciada por Bento XVI, é hoje perseguida com tenacidade e com um forte espírito de humanitas cristã pelo Papa Francisco, que instituiu a Pontifícia Comissão para a Proteção dos Menores, que foi anunciada no dia 5 de dezembro de 2013. Foram chamados a fazer parte dela: a Drª. Catherine Bonnet (França); a Srª. Marie Collins (Irlanda); a Profª. Sheila Hollins (Reino Unido); o cardeal Seán Patrick O’Malley, OFM Cap (Estados Unidos); o Prof. Claudio Papale (Itália); a Profª. Hanna Suchocka (Polônia); o Pe. Humberto Miguel Yáñez, SJ (Argentina); e o Pe. Hans Zollner, SJ (Alemanha).

A principal tarefa dessas pessoas é preparar os estatutos da comissão, que definirão as suas competências e as suas funções. A mesma comissão, no entanto, será posteriormente integrada por outros membros, escolhidos nas várias regiões geográficas do mundo.

O diretor da Sala de Imprensa da Santa Sé, padre Federico Lombardi, SJ, comentou que, com a instituição dessa comissão, “o Papa Francisco deixa claro que a Igreja deve colocar a proteção dos menores entre as suas prioridades mais altas (…). Na certeza de que a Igreja deve desempenhar um papel crucial nesse campo e olhando para o futuro sem esquecer o passado, a comissão adotará uma abordagem múltipla para promover a proteção dos menores, que incluirá a educação para prevenir a exploração das crianças, os processos penais contra as ofensas aos menores, os deveres e responsabilidades civis e canônicas, o desenvolvimento das ‘melhores práticas’ que foram identificadas e desenvolvidas na sociedade como um todo”.

“Conscientizar as pessoas” é sinônimo de prevenção dos abusos sexuais, para que não se repitam no futuro. O Pe. Zollner, além desse princípio, lembrou que, geralmente, leva anos para que uma vítima chegue a denunciar os abusos. Por isso, acrescentou que, graças a medidas recentes, as denúncias diminuíram significativamente. “Essa é uma boa razão – concluiu – para seguir o caminho traçado por esta nova Pontifícia Comissão instituída pelo Papa Francisco no dia 22 de marco de 2014.”

Os membros da comissão se reuniram na presença do Santo Padre no dia 1º de maio passado para a sua primeira reunião. Na declaração emitida na conclusão do encontro, os membros da comissão escreveram: “Desejamos expressar a nossa profunda solidariedade a todas as vítimas que sofreram abusos sexuais quando crianças ou como adultos vulneráveis, e desejamos tornar público que, desde o início do nosso trabalho, adotamos o princípio de que o bem de uma criança ou de um adulto vulnerável é prioritário no momento em que seja tomada qualquer decisão (…) Respondendo às solicitações do Santo Padre, essas discussões foram dedicadas à natureza e aos objetivos da comissão e à ampliação do número dos membros, de modo a incluir pessoas de outras áreas geográficas e de outras áreas de competência”.

Nos estatutos, em conclusão, serão apresentadas propostas específicas “para enfatizar as formas para sensibilizar as pessoas sobre as trágicas consequências dos abusos sexuais e sobre as consequências devastadoras da falta de escuta, da falta de relatórios de suspeita de abusos e da falta de apoio às vítimas de abusos sexuais e às suas famílias“.

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